Propedêutica ao inconformismo

Publicada por Higuita | | Posted On terça-feira, 7 de julho de 2009 at 01:25

Sou cavaleiro errante. Despojado de cavalo, armadura, espada ou escudo. Apeado nessas ruelas adjacentes mundanas. Não sou cavaleiro. Assim me denominam. Mas que sabe essa gente de cavaleiros? Essa gangrena cancerosa que me deixa lânguido de cada vez de num relance lhes deito os olhos?

Liberto desse fausto qualquer coisa que apelidam de casa, lar. Incorrigíveis. Nada se lhes pode surgir à percepção que logo o desvirtuam com essa indolência que verbalizam de inteligência. Madraçaria do labor.

Atarantado, vislumbro a voluptuosidade de um ajuntamento humano, ao longe. Não tão distante que não lhe consiga tangir visualmente uns seres sorumbáticos, definhados, volteando espadas no ar incólume, no seu nimbo da reflexão solar. Dardejam espectros.
Quando oiço o meu nome. Trazido pelo vento volteando os vales vencidos. Ladeio o ouvido com a minha mão cadavérica. Não fui enganado. É o meu nome. Esse grupo de letras a que reduzem peremptoriamente o ser humano. Não cedo ao clamar. Prefiro que me espoliem, a militar no irmo desses lascivos execrandos.

Sigo o meu rumo de deambulo indefinido. Com alacridade vou ao encontro de uma mulher, ali, de costado ao muro, semblante chupado, rugas sulcadas, reprimindo obstinadamente um apetite de há dias. Vacilo. O meu extremismo racional sucumbe momentaneamente. O seu olhar ascético que me derreia irremediavelmente. Mas, no derradeiro instante, tão rápido como um soluço, desperto. Por haveria de me levar por aquela morbosidade outorgada? Aquela cascavel imunda! Parasita social! Que jogue o seu emérito jucundo nos espíritos fracos! A querer enganar-me! Esta ralé de rapacidade que procura corroer os demais, nos seus circunlóquios viciados! Jesuítas, de uma indigência falseada! Excluam-me! Espezinhem-me! Mas não presto auxílio a esta comodista!

Corro a cortina de um golpe. A claridade fere-me a vista. Torno a apartá-la. Sinto-me bem avulso, no indeterminado do escuro. Não espero ser benquisto nessa sociedade frívola. Retrotraio-me a um canto, onde posso dar azo à minha facúndia mental, sem que alguém que a rebata. Esses seres prostituídos, que se vendem à vida.

Edifico a minha autocracia individual, prestidigitador. E crêem esses néscios na imortalidade da alma! Como pode tal, se logo que me vitima a dor de pensar, espontam espasmos psicadélicos no meu físico, numa união visceral? Como?! Schopenhauer, indica-me o caminho! Quero superar esta vontade de viver! Que nulidade esta, quando o senhor jaz numa tumba involvidável.
Tento novamente. Ó Alberto Caeiro, senhor desse sensualismo tão puro, carrega o meu cadáver adiado por esses bosques de goivo! Quem és tu? Um Pessoa degenerado? Sei lá! Sei tanto como ser plausível a não-consciência dessa sapiência inválida.

Invejo essas campónias de peitos arfantes, cantarolando essas ladainhas estanques, a bel-prazer de um conformismo estupendo.

Que sei, afinal? Quiçá não mais que esses mesmos entes que me apelidam de cavaleiro. Uma coisa é-me tão menos afectada por esse manto diáfano do engano incauto que mais não é de a natureza não ser traduzida por vocábulos, tão inerentes ao ser humano, como a necessidade da sua aprendizagem. Essa polifagia por comer tudo quanto é coisa em si, mastigá-las com essas mandíbulas da quantificação numérica e da lexicação.

Sofro, é certo. Contudo, não mitigo essa dor. Para quê? Talvez não passe de ilusão…

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